Izabella Camargo pratica o que chama de "produtividade sustentável" — Foto: Giancarlo Cadengue/divulgação |
Apesar de estarem em contextos diferentes, as jornalistas Izabella Camargo, 42, e Aline Silva, 39, viveram momentos muito semelhantes. Ambas, no limite da exaustão com o trabalho, começaram a sentir nos próprios corpos que algo não estava certo. Primeiro, vieram problemas na pele. Aline não entendia o motivo das alergias e erupções constantes, enquanto Izabella se perguntava o porquê do desenvolvimento de uma psoríase. Depois, Aline precisou enfrentar uma insônia recorrente e uma pneumonia aparentemente sem causa, e Izabella se consultou com um sem-número de médicos para descobrir de onde vinham os problemas de estômago, de intestino, de circulação e os cardíacos.
A rotina de uma série de sintomas e doenças se arrastou por meses, até receberem um ultimato dado pelos próprios corpos. Aline teve uma crise de ansiedade, na qual só sabia chorar, enquanto Izabella teve um apagão ao vivo no momento em que apresentava a previsão do tempo na TV. Ela esqueceu o nome de Curitiba, capital do Paraná, Estado onde nasceu.
Diante da situação-limite, Aline só enxergou uma alternativa: pedir demissão. “Foi muito difícil, porque eu trabalhava desde os 13 anos, mas eu sentia que era a hora de parar”, relembra. Antes de pedir para deixar o emprego, ela se organizou financeiramente e combinou com o marido que, no período de um ano, não iria dividir com ele as contas da casa. Já Izabella tirou licença médica, momento em que recebeu o diagnóstico de burnout, síndrome provocada pelo excesso de estresse, exaustão e esgotamento em função do trabalho. Ao contrário de Aline, Izabella foi demitida da emissora em que trabalhou por cerca de seis anos.
A saída do emprego, que, a princípio, poderia ser frustrante para as duas, se mostrou fundamental. Elas precisavam fazer uma pausa. Aline ainda se viu angustiada sem um emprego, mas, com a ajuda da terapia, entendeu a necessidade do descanso e passou a enxergar novas possibilidades de vida. Ela se matriculou em um novo curso na faculdade, começou a tocar saxofone e voltou a cozinhar a própria comida. Um ano depois, voltou a trabalhar, desta vez reconhecendo os próprios limites.
Izabella também descobriu que o trabalho não precisava ser sinônimo de exaustão e estresse. Ela se debruçou sobre o projeto do livro “Dá um Tempo!” (2020), para o qual entrevistou mais de 200 pessoas, entre personalidades, especialistas e formadores de opinião, para entender como se dá a percepção de que o tempo parece passar cada vez mais rápido. “O tempo é o mesmo e não mudou. O que mudou foi a velocidade que passamos por ele e a quantidade de coisas que fazemos no mesmo espaço de tempo. O que mudou para mim? Respeito mais o tempo. Aceito o que não posso mudar. Digo mais ‘não’”, reflete.
A jornalista destaca, inclusive, que a profissão não está relacionada ao esgotamento. “A pressão não é o problema. Todos que entram na profissão sabem que vão ter que lidar com prazos. O problema é que, no nosso modelo de trabalho, esses prazos são superestimados. Então, a gente tem uma ideia de que vai conseguir fazer muita coisa, em muito menos tempo, com uma excelência tremenda. E nem sempre é assim”, pondera. Hoje, ela dá palestras para empresas do país todo, nas quais difunde o conceito de produtividade sustentável. “Nós podemos continuar fazendo o que amamos, mas sem perder as coisas mais importantes pelo caminho”, explica.
Mas, afinal, como identificar sinais de que o nosso corpo está pedindo uma pausa? Indícios como alterações do sono, que incluem dificuldade de adormecer ou sensação de cansaço após uma boa noite de sono; dores de cabeça e musculares; taquicardia; mudanças no apetite e problemas estomacais são alguns das manifestações de que algo não está bom. Psicóloga especializada na produção de conteúdo sobre produtividade e bem-estar, Carolina Franca defende que é importante também estar atento ao lado emocional. “Podem ocorrer aumento da irritabilidade e da impaciência e reações desproporcionais a situações que normalmente não causariam irritação. O desânimo, a desesperança e a perda de interesse em atividades que antes eram motivadoras também podem acontecer”, reitera.
A psicóloga argumenta, porém, que os sintomas não surgem do dia para a noite. “Temos que lembrar que a exaustão é um processo, ou seja, vai acontecendo ao longo do tempo”, elabora. Ela usa como exemplo um copo que se enche aos poucos com gotas d’água. “Em algum momento, o copo transborda. Com o corpo também é assim. Ele aguenta suportar algum nível de estresse, mas, quando existem acúmulo e sobrecarga, acontece a exaustão”, acentua.
Izabella usa o mesmo exemplo para explicar seu processo de adoecimento, que a levou ao burnout. “São anos de desgaste, anos de ausência de si, negligenciando as pausas, com o corpo já em esgotamento. E aí, quando se vive uma situação que representa algum tipo de assédio, moral ou psicológico, é como a gota que transborda o copo. Mas o copo já estava cheio. Então, de quem é a responsabilidade? Da gota ou do copo? Dos dois. Mas os ambientes que ainda não têm modelo de assédio e controle tendem a adoecer mais as pessoas”, resume.
É possível fazer pausas em meio a uma rotina intensa
Os motivos que levam à exaustão são variados, e o medo de perder o emprego é um deles. No Brasil, existem 8,6 milhões de desempregados, o que faz com que as pessoas que têm emprego se submetam a condições extenuantes para permanecer nele. “A insegurança no emprego e a pressão para manter o trabalho podem levar os indivíduos a adotar comportamentos insalubres, como trabalhar longas horas, ignorar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e até mesmo tolerar ambientes de trabalho tóxicos”, diz a psicóloga.
Jornadas intensas de trabalho também podem levar ao adoecimento. Recentemente, o músico e cantor Wesley Safadão, acostumado a fazer um show atrás do outro, anunciou pausa na carreira por tempo indeterminado por recomendação médica em função de uma série de crises de ansiedade e para tratar das dores provenientes de uma hérnia de disco.
Mas, conforme Izabella aponta, é preciso “desacelerar para continuar em movimento”. Ou seja, pausas são fundamentais para a continuidade da vida em todos os âmbitos. “O carro tem acelerador e freio exatamente porque a gente precisa frear para continuar acelerando. A pausa é absolutamente necessária para a gente continuar fazendo o que faz. Isso não significa ter que parar de trabalhar, é só respeitar o seu cansaço”, comenta.
A psicóloga Carolina Franca também lembra que é preciso ficar de olho nos próprios direitos, que garantem o descanso remunerado. “Isso pode ajudar a dissipar o medo de fazer pausas e resultar em demissão”. Além disso, ela destaca que é importante conhecer e respeitar os próprios limites. Como sugestão, Carolina orienta estabelecer demarcações “em relação ao seu tempo de trabalho, estando em home office ou presencialmente”, expõe. “Após seu horário de trabalho, tente fazer uma atividade que não demande esforço mental, mas que te relaxe. Ficar com a família, pintar e brincar com seu pet são algumas dicas”, diz.
Outra ação de fundamental importância é a terapia individual, momento em que, dentre outros temas, pode-se reconhecer os próprios limites. “No geral, as pessoas possuem dificuldade de delimitar seus próprios limites porque não o reconhecem, portanto, fica difícil delimitá-lo. É por isso que o processo de terapia é individual, permitindo que cada indivíduo explore e compreenda suas próprias barreiras”, defende. Além disso, o profissional de saúde mental pode ajudar na identificação de exaustão e burnout. “Um psicólogo pode ajudar a desenvolver estratégias de enfrentamento e prevenção”, finaliza.
O Tempo
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