Foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press |
Um gigante de 89 metros de altura e 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, – que se projeta sobre Itatiaiuçu, o reservatório Rio Manso, da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), e a rodovia BR-381 (Fernão Dias) –, ingressou no grupo de ameaça mais crítica de barramentos em Minas. A barragem da Mina de Serra Azul (Córrego Fundo), operada pelo grupo siderúrgico ArcelorMittal, atingiu o nível 3 de emergência. Nessa classificação, está sob risco iminente de rompimento. A estrutura tem metade da capacidade do reservatório que se rompeu no município de Brumadinho, em 2019.
Abaixo da barragem da ArcelorMittal, localizada na Grande Belo Horizonte, o Plano de Ação de Emergência (PAE) contemplava 200 pessoas diretamente impactadas, mas a empresa já evacuou essa área redirecionando as famílias e restringindo o acesso à mancha de inundação. Um dos possíveis locais afetados é a Barragem de Rio Manso, principal reservatório de água da região metropolitana da capital mineira, responsável por cerca de 35% do que é captado e distribuído a 6 milhões de pessoas.
A ArcelorMittal desenvolve junto da Copasa e da empresa Arteris/Fernão Dias, a concessionária que administra a BR-381, formas de conter os rejeitos de um possível rompimento com obras e estruturas, bem como planos de desvios de rodovias. A situação da barragem se degradou, pois a nova Resolução da Agência Nacional de Mineração 95/2022, determina critérios próprios para a classificação de risco e não apenas de auditorias externas contratadas pelas mineradoras.
De acordo com esses critérios, o nível 1 de emergência é usado quando se identifica uma anomalia ou avaria que pode comprometer a estabilidade da barragem. O nível 2, que era aquele em que a Barragem de Serra Azul se encontrava, define estágio de anomalias que não foram sanadas pelas intervenções previstas no nível anterior e demanda a evacuação das Zonas de Auto Salvamento. O nível 3 é o de ruptura iminente ou em andamento.
Outras três barragens se encontram no mesmo estágio. São elas Forquilha III, em Outro Preto, na Região Central do estado; B3/B4, em Macacos, Nova Lima, no entorno de BH, e Sul Superior, no município de Barão de Cocais, todas controladas pela mineradora Vale e em processo de descaracterização. A expressão é usada quando as estruturas são desmanchadas e a área reintegrada ao meio ambiente. O perigo é tão alto e os trabalhos tão delicados que a Vale não utiliza trabalhadores de forma presencial nesses maciços, recorrendo a maquinário controlado remotamente.
A reportagem do Estado de Minas esteve na área da barragem da mina de Serra Azul e constatou cuidados diferentes. Diversos operários perambulavam por entre as vias formadas pelos anéis de encostas (taludes) que foram sucessivamente aumentadas (alteadas) ao longo da vida do represamento, bem como o trânsito de veículos da mina pelos mesmos espaços.
Por respostas
Abaixo desse gigante ameaçador, a comunidade vive com medo, mesmo quem não mora mais na chamada Zona de Auto Salvamento, a área por onde os rejeitos passariam em caso de rompimento. Ela é tão crítica que não haveria tempo para uma evacuação coordenada pelos órgãos de defesa civil, restando a cada pessoa salvar a si própria. Em caso de tentar ajudar alguém com dificuldades motoras, correria perigo.
Desde 8 de fevereiro de 2019, as pessoas que viviam na parte ameaçada do distrito de Pinheiros tiveram de deixar suas casas. Nesses três anos, receberam aluguel pago pela empresa que opera a mina, mas elas querem uma definição se poderão retornar para suas casas, Muitos estão insatisfeitos e chegaram a se manifestar pelas ruas no início do mês passado.
O distrito se tornou uma cidade-fantasma. Vários imóveis estão abandonados, não apenas na Zona de Auto Salvamento. Quase não se encontra moradores em deslocamento pelas ruas. Os poucos comércios ainda abertos ficam às moscas. No alto da comunidade, várias torres com sirenes foram posicionadas cercando o Pinheiros para alertar as pessoas em caso de rompimento.
Pelas ruas, o problema é lembrado a todo momento, com a distribuição de dezenas de placas de alerta que direcionam o tráfego por rotas seguras de fuga e a pontos de encontro para a comunidade, em caso de lama e rejeitos descerem da mina e a evacuação imediata ser necessária.
Todos os acessos à Zona de Auto Salvamento estão fechados com cavaletes, cones e outras barreiras que são controladas por seguranças da ArcelorMittal equipados com rádios. Até mesmo os moradores dessa área precisam de autorização para prosseguir, sendo levados pelos veículos da empresa e tendo depois de deixar os seus imóveis também a bordo desses veículos até que deixem a zona quente.
Sem futuro
Por vários desses acessos foram instaladas faixas com reclamações a respeito da empresa mineradora, do valor dos imóveis estimados pela prefeitura, bem como protestos pela indefinição do destino das pessoas deslocadas depois de três anos. Um dos atingidos é o aposentado Hernâni Pereira Neves, de 68 anos, que precisou deixar a casa onde pretendia viver pelo resto da vida porque o imóvel está situado no caminho que os rejeitos percorreriam.
“Essa situação espantou as pessoas daqui, mas quem ainda tem a sua casa não sai de perto. A minha casa era toda cercada, tinha área e quintal para a gente ter as plantações e ter a nossa liberdade. Com o aluguel que me passaram tive de viver em uma casa muito abaixo, muito pior. Agora, arrumei o lote onde estou morando com a família e aos poucos vou tentando arrumar, com o que sobra de dinheiro”, conta.
O aposentado afirma ter medo de ir até o seu lote na Zona de Auto Salvamento e acabar sendo pego por um rompimento enquanto tenta conservar as coisas que ficaram para trás. “Sem falar que a gente ter de ir para a própria casa acompanhado é muita humilhação. Parece até que a gente é ladrão. Mas a casa é nossa, eles vieram depois e têm de resolver. Até quem não tem nada no caminho da barragem está indo embora, não tem mais emprego, não tem mais a vida que a gente tinha. Agora é só medo e lembrança. Ninguém sabe como vai ser amanhã", lamenta.
ArcelorMittal diz atuar com reforço de medidas
A ArcelorMittal informou que medidas estão sendo adotadas para garantir a segurança do Sistema Rio Manso e da BR-381. “A empresa está construindo uma Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), que conterá os rejeitos na hipótese de rompimento da barragem. Adicionalmente, planos de ações específicos para o período de construção foram acordados junto à COPASA e ARTERIS prevendo, dentre outras medidas, a instalação de cortinas de retenção de sedimentos no reservatório, estudos de viabilidade técnica e temporal de captação alternativa emergencial e definição de rotas alternativas para o tráfego na região”.
A companhia afirma que a reclassificação “em nada mudou as condições de segurança da barragem. Desde 2019, a empresa optou por adotar, preventivamente, medidas de segurança superiores às exigidas pela legislação, incluindo a realocação da comunidade”, destaca em resposta ao EM.
Segundo a ArcelorMittal, o acesso de trabalhadores na estrutura se dá em caráter extraordinário, mediante adoção de procedimentos prévios de segurança e com objetivo exclusivo de manutenção da estrutura. De acordom com a empresa,“boa parte desses serviços é feita de maneira automatizada e à distância”.
Em relação ao plano de descaracterização da barragem, no dia 25 de fevereiro deste ano, a ArcelorMittal firmou Termo de Compromisso com autoridades estaduais e federais, que estabeleceu o prazo de novembro de 2022 para a apresentação do projeto de descaracterização da barragem.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) informou que ao atingir o nível 3 de emergência os operadores das barragens ficam sujeitos a uma série de responsabilidades, “tais como: plano de mitigação do carreamento de rejeitos, resíduos ou sedimentos para os corpos hídricos da área da mancha de inundação; e inventário dos usos e intervenções em recursos hídricos existentes na área da mancha de inundação, bem como o respectivo plano de garantia de disponibilidade de água bruta”. A Semad informou, ainda, que a ArcelorMittal não reportou “nenhuma alteração no estado de conservação da barragem. A comunidade já havia sido evacuada da Zona de Auto Salvamento (ZAS) em 2019”. (MP)
Instabilidade
Estágios da emergência em barragens em Minas Gerais e as estruturas classificadas
Nível de Alerta
Anomalia que não implica risco imediato para a segurança, mas requer ser controlada e monitorada
Nível de Emergência 1
Categoria de risco alto, caracterizando situação de potencial comprometimento, com necessidade de obras corretivas e monitoramento, e interrupção do lançamento de efluentes ou rejeitos
19 reservatórios incluídos:
Sul Inferior (Barão de Cocais), Marés 2 (Belo Vale), Santana (Itabira), Sistema Pontal (Itabira), Borrachudos 2 (Itabira), Maravilhas 2 (Itabirito), Campo Grande (Mariana), Vargem Grande (Nova Lima), Dique B (Nova Lima), Peneirinha (Nova Lima), Cinco MAC (Nova Lima), Barragem do Doutor (Ouro Preto), Norte Laranjeiras (São Gonçalo do Rio Abaixo), Dicão Leste (Catas Altas), Barragem Seis (Nova Lima), Barragem 7A (Nova Lima), Barragem 5 (Nova Lima), Dique Paracatu (Catas Altas) e Dique PDE 3 (São Gonçalo do Rio Abaixo)
Nível de Emergência 2
Anomalia não controlada, que leva à evacuação da Zona de Auto Salvamento
9 barragens incluídas:
Xingu (Mariana), Capitão do Mato (Nova Lima), Forquilha 1 (Ouro Preto), Forquilha 2 (Ouro Preto), Barragem Auxiliar B2 (Rio Acima), Área 9 (Ouro Preto), Dique de Pedra (Ouro Preto) e Dique Cachoeirinha (Lisa) (Brumadinho)
Nível de Emergência 3
Ruptura iminente ou em progresso
4 reservatórios incluídos:
Sul Superior (Barão de Cocais), Barragem Mina Serra Azul (Itatiaiusul), B3/B4 (Macacos/Nova Lima) e Forquilha 3 (Ouro Preto)
(Com informações do Estado de Minas, ANM e Feam)
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